domingo, 13 de janeiro de 2013

Um ex-escravo- Chamado Donato

 Por AlbertoLuiz Massabni

Donato era analfabeto. Nem mesmo sabia se o tinha feito cristão.


A quebra de 1929 despovoara a fazenda. Roças em abandono, cafezal desertado. Os patrões nivelados na miséria e penúria dos colonos e camaradas.

Aos oitenta anos, o preto Donato foi um dos poucos que ficou. Tinha as mãos grossas, calejadas, ásperas, mãos que não conhecera afagos e nem carícias. Vivia descalço os pés esparramados e os calcanhares endurecidos diante de tanto trabalho.

Donato vivia num casebre pobre com poucas mobílias quase todas doadas pelos conhecidos, sua comida era pouca e pobre, quando tinha arroz, não tinha feijão, a farinha era certa na mesa.

Sozinho, aonde iria? Chegara criança á fazenda e no caminho que lhe traçara a velhice viera ao seu encontro.

Donato era analfabeto. Nem mesmo sabia se o tinha feito cristão.

Nascera para servir. Sentado na soleira da porta, tirava longas baforadas de seu pito de barro, ficava olhando o céu, e vinham às lembranças dos seus ancestrais, procurava adivinhar as feições de sua mãe, e como seria o seu pai que nunca viu.

Recolhia-se para dormir, antes do pio da coruja, com freqüência sonhava e revivia os batuques da juventude, o sino do feitor logo cedo convocando para mais um dia de trabalho nos cafezais.  O sol que aquecia era o mesmo que confortava.

A vida era só lembrança e seus sonhos foram interrompidos em uma noite com violentas contorções e repuxos, foi ao chão, tentou gritar, abraçou a terra nua de seu rancho, seus grandes olhos amarelos se fecharam para sempre.

O velho escravo marchou para o campo dos mortos, enterrado numa cova rasa, coberto por um lençol de terra e uma cruz sem nome.

Donato, um ser humano, um filho de Deus que viveu em uma terra distante e ajudou com seu trabalho a construir o nosso Brasil.

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